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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Em tempos de Maria e José

Em tempos de Maria e José

Quando abri os olhos e dei-me conta do enorme erro que acabara de cometer já havia se passado quase três anos. Voltei a respirar depois de muito tempo, a cabeça ainda lenta, os dedos dormentes, insônia... E ao perceber que naquele momento eu voltava à vida dei-me conta do que Nietzsche há tempos tentou me mostrar: Humano, demasiado humano, tão previsível, todos iguais. Como me deixei enganar outra vez?

À uma da manhã, após sete dias de agonia absoluta, me vejo aqui, sentado, sozinho, esperando o sono que não vem. Mentirei se disser que sinto falta de Maria, mas renegar tudo o que passamos também não posso. Mentirei novamente se ousar julgar meus dias de inabalável dormência como bons tempos que não quero esquecer. Cafajeste? Não. Covarde? Dessa vez admito que fui.

Eu, o bravo José, homem forte e decidido, condeno-me perpetuamente por repetir esse triste papel. Na amargura reprimida o riso falso e ensaiado. Já o amor que se sentia, esse não era falso, mas também não era amor. Hoje, mais gente me odeia do que me ama, efeito dos anos que passei dormindo. Maria disse que não me odeia, mas que sente muita pena de mim. Piedade. Sentimento piegas. Preferia que me odiasse logo de uma vez!

Em tempos de Maria e José houve muita felicidade e muita desavença também. Maria queria casar. Eu queria me divertir. Maria queria filhos. Eu queria sumir. Maria queria acreditar. Eu queria que tudo não tivesse passado de um sonho e que meus olhos voltassem a se abrir. Houve choro e tristeza e Maria se convenceu de que sua vida acabara no momento em que parti. A mim, o agora fraco e cansado José, ficou a vergonha do erro que um dia jurei nunca mais cometer.

À Maria queria pedir desculpas sem a ilusão de ser perdoado. Queria demonstrar todo o meu apreço, revelar minha gratidão incondicional pelos cuidados que recebi nos anos que estive inconsciente. Maria sente pena de mim porque descobri que na vida podemos ser muito mais. Mas eu sempre quis voar sem destino, sem ser acometido por grandes amores. Desculpas não são suficientes para abrandar sua dor e talvez nada possa curar o mal que a assola. Ah Maria, por que fora me amar tanto?

Eu, inexorável José, que de tempos em tempos imputa a dor, como pude adormecer em emaranhados lençóis que outrora já me aninharam? Por que provar da cicuta que antes me causara tanta dor? Há pouco acordei sozinho e tive vontade de chorar. Por anos meus olhos trancados não semearam lágrimas, não as quais eu pudesse sentir. O choro, agora incontido, é um alívio tardio, o desabafo de uma vida libertada. Olho pra frente e vejo alegria, em tempos que não são mais de Maria e José.
  Outubro de 2010

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