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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Entrevista: Fredd Cassiano


Entrevista: Fredd Cassiano
A vida e a arte de um dos precursores da tatuagem artística no Brasil.


Fredd em estúdio na Vila Madalena,
em São Paulo.
A tatuagem é considerada uma das formas mais antigas de expressão corporal de que se tem notícia. Juntamente com a dança e os rituais de adoração da antiguidade, provas arqueológicas comprovam que as tatuagens foram feitas no Egito há mais de 6.000 anos a.C.

Proibida na Idade Média pela Igreja Católica, sendo considerada uma prática demoníaca, a tatuagem resistiu ao tempo e ao preconceito, e, atualmente, atua – ou deveria atuar! – como a transcendência do pensamento individual através da simbologia, assim como uma prática para a cisão dos paradigmas e padrões ditatoriais impostos pela sociedade. O tempo passou e à tatuagem fora associado o status de arte, podendo esta ser confrontante, idólatra, temporal ou atemporal, porém, para os entendidos, jamais subjetiva.


É nesse contexto em que se destaca uma das lendas da tatuagem artística brasileira: Fredd “Judge” Cassiano. Com mais de 30 anos dedicados à tatuagem artística no Brasil e no exterior, Fredd Judge, apelido pelo qual atende na cena artística, é uma lenda viva deste movimento cultural que, por aqui fora iniciado nos primeiros anos da década de 60.

Conhecido pela exímia técnica e perfeccionismo empregados em seus trabalhos, Cassiano é cultuado pelos grandes profissionais do universo tatto como um dos mais experientes e completos tatuadores do país. Nessa entrevista Fredd Cassiano fala sobre sua trajetória profissional, seus principais trabalhos, sobre preconceito e padrões sociais, curiosidades e tendências da tatuagem artística.

Letra e Cultura: Oi Fredd, tudo bem?
A tatuagem é a arte da contracultura.
Fredd Cassiano: Tudo bem e contigo?

Letra e Cultura: Tudo ótimo. Vamos lá. Muita gente não sabe, mas você já
percorreu um bom percurso pela tatuagem, certo? Fale um pouco sobre sua trajetória.
Fredd Cassiano: Resumindo, nasci em Santo André e fiquei por lá até meus 15 anos. Depois fui para a Vila Anastácio, na Lapa, Embú Guaçu, até chegar em “Sampa”, e lá fiquei por uns vinte anos, mais ou menos. Vim para Mogi Guaçu depois que voltei da Europa, pois era onde minha família já se encontrava. Tenho uma ligação familiar na cidade.


Letra e Cultura: Quando você descobriu realmente que queria ser tatuador?
Fredd Cassiano: Descobri que queria ser tatuador logo depois que aprendi a fazer meu primeiro desenho de memória, que foi a cabeça do Fredd Flintstone. Eu tinha uns sete anos de idade. Depois disso, quando via nas ruas alguma pessoa tatuada ficava ainda mais ansioso em fazer aquilo. Essa ideia se fixou em mim como uma tatuagem!

Letra e Cultura: Pode-se dizer então que você provém da escola dos cartuns?
  
Fredd Cassiano: Ah, claro que sim! Os cartuns foram e são os maiores responsáveis pelo que me tornei.

Letra e Cultura: Quais são suas personagens preferidas?
Fredd Cassiano: Minhas personagens preferidas são numerosas, mas gosto, principalmente, dos Flintstones, é claro! (risos) Depois os Jetsons, Corrida Maluca, Super 6, Manda Chuva, Zé Colmeia, Don Pixote, Pepe Legal, Lippy e Hardy, Hanna-Barbera, Space Ghost, Herculoids, Migh Tor, heróis da Marvel e por aí vai...


Letra e Cultura: Existem inúmeros estilos de desenhos dentro da tatuagem artística: new school, tradicional, medieval, naturalista, entre outros. Porém, é no realístico em que seus trabalhos mais impressionam. Você tem alguma predileção por desenhos realísticos? Há alguma técnica utilizada neste estilo que o destaca dos outros tatuadores?
Fredd Cassiano: Primeiro priorizo lugares do corpo onde ofereçam pouca margem de distorção com o movimento, que tenha sombras contrastantes, e que observe uma dimensão favorável para um resultado satisfatório. Mas, sinceramente, não sou muito fã do estilo realístico, principalmente os retratos, por causa da "desvantagem anatômica". Isto é, o efeito desejado só se obtém com a pessoa em posição normal. Quando se sai da posição em que o cliente foi tatuado o retrato em questão sofre as deformações anatômicas naturais do corpo.

Letra e Cultura: Então por que seus trabalhos realísticos são tão bons?
Fredd Cassiano: Eu tento, na medida de aceitação do cliente, indicar os lugares do corpo que tenham a mínima margem de deformação. Acho que não posso nem chamar de técnica, mas sim, de bom senso.

Fredd em sua vertente cênica.

Letra e Cultura: Mudando de assunto, você trabalhou muitos anos na Europa. Sobre alguns aspectos como foi a experiência de tatuar em países mais abertos culturalmente a este tipo de arte? E, em contrapartida, quais são as diferenças mais marcantes entre o público europeu e o público brasileiro no que tange às questões de aceitação e preconceito social sobre a tatuagem?
Fredd Cassiano: Foi gratificante no sentido de respeitarem e valorizarem mais o artista do que aqui. Outros aspectos dependem do país europeu em questão. Na Alemanha, o preconceito não existe faz algum tempo e são bem seletivos. As mulheres têm feito trabalhos maiores do que outrora. Fazer uma tatuagem na Alemanha é como trocar de calça jeans no Brasil. (risos) O que já difere da Itália que, apesar de ter virado moda, o preconceito italiano desabou de vez, mas a maioria ainda se encontrava meio tímida e sujeitos demais às tradições familiares, limitando a saída de trabalhos mais sérios no sentido de tamanho e exploração técnica. E o Brasil aos poucos vai se aproximando do patamar nórdico.

Letra e Cultura: Historicamente, a ideia de contravenção e subversão da conduta social está intrinsecamente ligada ao uso da tatuagem. Apenas citando um entre vários exemplos, em 1879 o governo inglês adotou a tatuagem como uma forma de identificação dos criminosos, ao passo que, ainda hoje, é utilizada nos presídios brasileiros para identificar cada criminoso de acordo com o seu crime, não de forma normativa, é claro. Você acredita que essa ligação histórica com a perversidade seja a principal causa da não aceitação da tatuagem artística pela grande maioria da sociedade?
Fredd Cassiano: Tinha a ver, mas isso não se dá mais nos dias de hoje. E nos casos de rejeição, o que observo seria mais no sentido estético, do que na conotação do passado. Mesmo que isso pareça estranho, acho que a tatuagem artística acabou influenciando até mesmo a tatuagem carcerária, tornando-a mais profissional. Quanto à ligação da tatuagem com a perversidade penso que a música, os esportes e a TV têm sido aliados potentes na dissolução de tal reputação.

Letra e Cultura: Atualmente, no Brasil você considera que do ponto de vista 
social a tatuagem ainda é vista como uma prática perniciosa e marginal? Se você concorda com essa colocação, quais fatores você julga determinantes para a continuidade dessa visão? 
Fredd Cassiano: Acho que essa visão já perdeu tal conotação, no que tange ao público ordinário, no sentido das “pessoas normais" (risos). O movimento da tatuagem artística ficou mais popular e começou a ser levado mais a sério, principalmente entre nós (brasileiros), os alemães e os norteamericanos. Contudo, pseudoprofissionais que não observam as normas de assepsia e a autodesvalorização ainda prejudicam a imagem da tatuagem artística.

Letra e Cultura: Saindo do âmbito sociocultural da questão, a tatuagem trata,
antes de tudo, de certa elevação do espírito no momento em que você executa um trabalho, ou se você preferir, aquilo que muitos chamam de “feeling”. De alguma forma, você precisa estar inspirado para tatuar, assim como um pintor precisa de inspiração para pintar seus quadros? Há algum tipo de preparação física e mental entre um trabalho e outro?
Fredd Cassiano: Acredito que sim. A preparação no meu caso cabe no respeito que o cliente pode oferecer ao artista. Tanto em sua maneira de trabalhar quanto ao que o artista achar justo avaliar seu trabalho. Também quanto mais o cliente conseguir serenar suas emoções e ansiedade, mais deixará o artista confortável para se entregar de corpo e alma no que tiver que ser feito.

Segundo Fredd, música e tatugem são coirmãs.

Letra e Cultura: Você acredita que a música é a coirmã da tatuagem?
Fredd Cassiano: Sim. Assim como um cenário de uma peça é o adereço do artista em suas apresentações.

Letra e Cultura: Sabemos que você é um ótimo baterista e que já teve alguns projetos no passado. Nunca pensou em ser um músico profissional ao ponto de poder viver da música?
Fredd Cassiano: Obrigado pelo elogio! (risos) Penso sim. E continuo no aguardo de músicos com a mesma determinação e propósito.

Letra e Cultura: Já que estamos falando de música cite alguns músicos famosos que você já tatuou.
Fredd Cassiano: Max e Igor Cavalera, Ratos de Porão (todos da formação dos anos 80), Dinho do Capital Inicial, Chuck Billy e Greg (vocal e baixo, respectivamente) do Testament, Big John (guitarra) do Exploited, Mille e Frank (vocal e guitarra, respectivamente) do Kreator, Cláudio (vocal) do Vodu, Cherry (vocal) do OKOTO e me desculpe se esqueci de alguém...

Letra e Cultura: Voltando no tempo... Você deu seus primeiros passos na tatuagem artística em São Paulo, mais precisamente na Vila Mariana. O que você considera pior: ser tatuador em plena ditadura militar, onde a liberdade de expressão era radicalmente censurada e os tatuadores sofriam forte perseguição, ou ser tatuador nos dias de hoje, num cenário onde qualquer pessoa sem talento pode se autointitular tatuador, poluindo e desvalorizando o mercado em detrimento dos bons profissionais?
Fredd Cassiano: Sem dúvida a segunda opção.

Letra e Cultura: Por que tantas pessoas fazem sua primeira tatuagem com tatuadores amadores e, posteriormente, procuram profissionais de verdade para executarem os trabalhos de correção? Como você age em situações como essa?
Fredd Cassiano: Por se acharem inocentemente “sortudos” por encontrarem um preço convidativo e menos seletivo. Cobro pelo esforço de tentar “salvar” aquela pele.

Cartaz de divulgação.

Letra e Cultura: Aproveitando o gancho sobre profissionalismo, quais são seus projetos para 2011? Vem um estúdio por aí ou você pensa em voltar para Europa?
Fredd Cassiano: Estou me envolvendo com atividades que me incentivem a permanecer na cidade. Mas sem descartar a possibilidade de uma nova admissão no exterior.

Letra e Cultura: O blog Letra e Cultura agradece por todo o tempo e a atenção que você nos despendeu nessa entrevista e lhe desejamos um ano com muito trabalho e realizações e, quem sabe, um novo estúdio em Mogi Guaçu. Obrigado!
Fredd Cassiano: Obrigado a vocês e o mesmo para todos. Valeu!


3 comentários:

  1. Pô imagina a vivência desse cara... e quem o vê pelas ruas hoje em dia nem imagina quem ele é... já vi algumas tattoos dele e não sei se cachorro de raça brava faz igual não...

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  2. Eu sou suspeito para falar desta pessoa impar, a sensação de ter no corpo uma tattoo ou umas no meu caso, de um artista que tem a historia do Fredd é foda, existem muitos artistas bons, mais com historia são poucos e um deles com certeza é o Fredd...

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  3. Super humilde ele e seu irmao Maniii sao fera tive a oportunidade de apertar essa mao mitoooooo um mito do nosso guaçuzao

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