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segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Um artista, uma paixão

Fã de Toquinho e Yamandú Costa, Fábio Gonçalves
se diz mais técnico do que artista (Fotos: Tarso Zagato)
Criador de uma série com mais de 100 instrumentos, o luthier Fábio Gonçalves abre as portas de sua oficina ao Letra e Cultura.

Quando o dom e a arte se encontram, coisas maravilhosas costumam acontecer. A madeira mais rústica, em mãos habilidosas, transforma-se em tampos, braços, trastes, pestanas, rastilhos e cavaletes, cada qual perfeitamente alinhado e moldado para formar o todo ressonante, que em mãos musicais encontra outro dom. De artista para artista, arte para produzir arte.

Neste contexto está o luthier – do francês luth, nome dado ao artesão que fabrica ou repara instrumentos de corda com caixa de ressonância. Preciso como as notas que compõem a mais bela canção, molda, solitário e abnegado, instrumentos musicais prontos para entoar beleza e emoção.     

Entre poucos e raros, um guaçuano se destaca: Fábio Gonçalves “Luthier”. A exímia perícia que emprega em seus instrumentos lhe valeu a fama que o precede e o equivocado sobrenome que designa seu virtuoso ofício.

Oito anos se passaram desde que se descobriu artesão e mais de 100 instrumentos ganharam forma em suas mãos. Apesar disso, nega com peculiar humildade o status de artista, aparentando ignorar o exacerbado prestígio que ostenta entre os músicos que conhecem e admiram seu trabalho.

Com a modéstia que lhe sobra, permite-se um sonho pueril: ver Toquinho ou Yamandú Costa dedilhando arte em um instrumento de sua criação. Na opinião de muitos, um sonho mais possível do que distante.     

"Paciência e dedicação são as palavras-chave para um bom luthier."
LETRA & CULTURA: Quando você descobriu que poderia fazer instrumentos de corda?
Fábio Gonçalves: Para falar a verdade, não foi uma coisa que eu procurei. Um dia, eu cheguei na casa do meu pai e tinha um recado do Carlos Bicalho querendo falar comigo sobre violão. Na época, eu dava aulas de violão e pensei que fosse um aluno, aí eu retornei para ele. Ele disse que era luthier em Campinas e que eu havia deixado o meu nome com ele para fazer um curso de luthier. Eu não me lembro de ter deixado o nome com ele (risos)... mas acredito que tenha sido quando passei um dia que visitei o Conservatório Carlos Gomes, onde eu queria estudar, e acabei preenchendo uns formulários que deixaram por lá. Na mesma semana, por coincidência, um amigo viu um cartaz do mesmo curso em uma loja de música em Artur Nogueira e me convidou para fazer. O interessante do curso era que você aprendia a fazer um violão e saia com um instrumento, e eu sempre tive o sonho de ter um instrumento de um luthier, feito à mão. Assim que entrei na oficina e vi o Carlos Bicalho fazendo um instrumento, eu me apaixonei na hora.   

L&C: Assim como um pintor ou um escultor, você produz arte e, portanto, também é um artista. Como tal, você segue algum processo ou “ritual” artístico na elaboração de suas peças?
Fábio Gonçalves: Eu aceito e até agradeço ser chamado de artista. Mas acredito que meu trabalho é mais técnico do que artístico. A parte artística está mais relacionada com o acabamento do violão, na hora de colocar um filete ou fazer um cavalete legal. De qualquer forma, não obedeço a nenhum ritual, mas preciso estar inspirado para criar.

L&C: É uma opinião que contradiz o que pensam os seus clientes, não?
Fábio Gonçalves: Ainda sim, eu me considero mais um técnico do que um artista. Eu agradeço quando o pessoal me chama de artista, mas penso que mesmo quem pinta um quadro, ou toca uma canção, é claro que há uma inspiração, existe um dom naquilo, mas acredito que muita parte é técnica também.

L&C: Seu raciocínio me permite pensar que qualquer pessoa comum pode se tornar um luthier.
Fábio Gonçalves: Eu acho que sim. Basta que a pessoa tenha paciência, capricho e dedicação. A grande diferença entre um luthier que faz um instrumento melhor e outro que faz um não tão bom é a experiência. Por isso respeito os luthiers mais velhos, pois aprendo muito com eles.

L&C: Na prática, qual é o ganho que um músico tem ao adquirir um instrumento feito por um luthier?
Fábio Gonçalves: A vantagem é que os instrumentos são feitos respeitando as determinações do cliente e o que ele espera de som. A gente conversa bastante com o cliente para saber exatamente o que ele quer. Tem gente que gosta de braço mais largo, outros mais fino. Tem gente que toca mais forte, outros tocam mais leve. É um instrumento feito sob medida para o músico.

Para o luthier, o próximo instrumento é sempre o melhor. 
L&C: Em oito anos como artesão, você já produziu uma série de 101 instrumentos. Há algum que te marcou ou que é o seu preferido?
Fábio Gonçalves: Eu acho que não. O luthier sempre acha que o melhor instrumento é o último que ele fez. Dizer que eu tenho um carinho especial por um determinado instrumento não é verdade. Todos eles são diferentes e o que importa é atender às expectativas do músico.

L&C: Que artista você gostaria de ver tocando um instrumento seu? Fábio Gonçalves: Tem vários, mas eu ficaria muito feliz se o Yamandú Costa usasse meu instrumento, ou o Toquinho, que é meu ídolo de infância. Seria uma honra se um dia um cara desse aparecesse por aqui.

Um comentário:

  1. Agradeço imensamente pela oportunidade de mostrar meu trabalho aqui no Letra e Cultura. Fiquei muito feliz e muito satisfeito em participar deste jornal que tanto valoriza nossa cultura. Parabéns a todos!

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