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sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Revelado ao lume novo: a descoberta do herói interior

No cair da tarde, Artur cruza a linha de chegada
e concretiza o maior sonho de sua vida (Foto: Divulgação)
Crônica inspirada no triatleta mogimiriano Artur Henrique Almeida, oitavo lugar da categoria 25-29 anos e 120º colocado geral do Iron Man Panama City Beach, disputado no último sábado (1º), na Florida (EUA).

Frio, muito frio. Não era exatamente o cenário que o nosso intrépido sonhador esperava encontrar no dia do maior desafio de sua vida. Mas retroceder não era uma opção. Percebeu que a vontade teria que ser ainda maior, que a gana de superar a si mesmo teria que ser ainda maior, que a coragem que o moldou e o fez chegar até ali também teria que ser maior do que nunca.

No início de sua batalha pessoal fora informado de que o mar, revolto e furioso, o impediria de concluir sua saga por completo. Não empalideceu, respirou e seguiu em frente. O desafio continuava homérico, da mesma forma que se desenhou em seus sonhos, noite após noite, durante os longos meses em que se preparou para estar ali. Era hora de começar.

De cinco em cinco segundos, amontoados de outros heróis anônimos partiram rumo à descoberta de seus próprios limites, ao encontro da verdadeira essência, daquilo que os purifica e os define como seres humanos. Com pedaladas fortes e constantes, aos poucos se viu só. Enquanto os quilômetros iam ficando para trás, se apegou em pensamentos nas lembranças daqueles que compartilharam de seu sonho e que, de alguma maneira, dividiam com ele o sofrimento que a chuva cortante e impiedosa lhe imputava naquele momento. Pensou nos amigos a milhas e milhas de distância, na zelosa mãe que o apoiou e o conduziu pelo caminho correto, no pai enfermo que deixou no Brasil para nadar, pedalar e correr atrás de seu maior sonho. Seus devaneios o ajudaram a aliviar a preocupação e a dor – física e sentimental –, e, sem perceber, 180 mil metros de asfalto haviam sido deixados para trás.

Transição. Com este pequeno vocábulo o herói de si mesmo – e, possivelmente, de tantos outros – iniciou a parte final de sua jornada. Ainda estava encharcado quando calçou seus tênis e vestiu a blusa que, em vão, deveria lhe trazer algum conforto frente ao impiedoso frio que persistia em castigá-lo. E assim correu. Passada a passada, com força e intensidade.

Àquela altura, sentia um peso gigante em suas pernas, dificuldade esperada mesmo antes da prova. Novamente, recorreu aos bons pensamentos para enganar a dor. Continuou seguindo em frente, sem esmorecer. Teve consigo a paisagem de uma terra bela e desconhecida, um novo mundo que a ele se revelava. Prosseguiu.

A chuva, enfim, cessou. No horizonte o sol oferecia ao dia os últimos feixes de luz e o crepúsculo esplêndido iluminava ao herói sonhador a última barreira entre o ideal e o concreto, o anseio e a realização, o querer e o fazer. No grito efusivo dos espectadores sentia o calor que não teve durante as quase nove horas em que passou correndo e pedalando. Percorria os metros finais de um grande feito, algo tangível apenas a poucos “super humanos” na terra.

O lume resplandecia o arco da redenção: era a linha de chegada, passagem que o ascenderia ao Olimpo dos vencedores e o discerniria dos meros mortais. Lágrimas se misturaram às gotículas de chuva e lavaram seu rosto desgastado. O sorriso incontido trazia o contraste e o enlevava de maneira pueril e irresoluta. Antes de romper a faixa da conquista, voltou a pensar nas pessoas que o ajudaram e o fizeram a chegar àquele momento. Percebeu, já muito além do que imaginava ser o seu limite, que os sonhos são apenas projeções daquilo que a nossa vontade nos reserva para o futuro.

Ao cruzar o portal, levantou os braços e acenou agradecendo aos desconhecidos que ali torciam por ele. Se ajoelhou orgulhoso – talvez tenha entoado uma oração a si próprio – e ao seu lado sentiu a presença do inseparável pai. Sem olhar para trás, levantou-se transformado e com a certeza de que nada mais podia detê-lo e que acabara de ser tornar invencível.


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