Bucha de Canhão
O mais democrático de todos os bens
culturais é a língua. É o povo que a inventa e modifica de acordo com a própria
vontade.
Como é o povo quem mais sofre em todas
as nações, as expressões que denotam problemas – de todos os tipos – são muito
abundantes em todas as línguas. No português do Brasil, por exemplo, é possível
escrever um parágrafo, ou mesmo uma página, apenas com essas expressões. Para
exemplificar, vai uma historinha boba:
“João tinha um amigo que o deixou na
mão, e isso o meteu numa tremenda sinuca de bico. Quando percebeu, estava não
em uma saia-justa, mas numa verdadeira calça do Christian & Ralf. Naquela
hora, João viu a viola em cacos e concluiu, muito triste, que, sem a ajuda do
amigo, a vaca tinha mesmo ido pro brejo. Apesar de respirar fundo, tentando
afastar o pensamento daquela zica, teve de encarar a realidade: tinha servido
de bucha de canhão mesmo”.
É certo que muitas expressões aqui
empregadas fazem parte da gíria (que alguns julgam ser de uso exclusivo de
determinados grupos sociais), mas não vai demorar para que elas mudem de
status. A língua, tão dinâmica quanto o The Flash, não pertence à lentidão de
dicionários e gramáticas, mas à rapidez da lógica popular.
LEONARDO
DAVINE DANTAS é
mineiro de Lavras, tem 39 anos, e vive em Campinas. Bacharel em Letras pela
Unicamp, atua como servidor público do Estado de São Paulo. Seus autores
prediletos são o poeta Virgílio e o Padre Manuel Bernardes.
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