No cair da tarde, Artur cruza a linha de chegada e concretiza o maior sonho de sua vida (Foto: Divulgação) |
Crônica inspirada no triatleta mogimiriano Artur Henrique Almeida, oitavo lugar da categoria 25-29 anos e 120º colocado geral do Iron Man Panama City Beach, disputado no último sábado (1º), na Florida (EUA).
Frio, muito frio. Não era exatamente o
cenário que o nosso intrépido sonhador esperava encontrar no dia do maior
desafio de sua vida. Mas retroceder não era uma opção. Percebeu que a vontade
teria que ser ainda maior, que a gana de superar a si mesmo teria que ser ainda
maior, que a coragem que o moldou e o fez chegar até ali também teria que ser
maior do que nunca.
No início de sua batalha pessoal fora
informado de que o mar, revolto e furioso, o impediria de concluir sua saga por
completo. Não empalideceu, respirou e seguiu em frente. O desafio continuava
homérico, da mesma forma que se desenhou em seus sonhos, noite após noite,
durante os longos meses em que se preparou para estar ali. Era hora de começar.
De cinco em cinco segundos, amontoados
de outros heróis anônimos partiram rumo à descoberta de seus próprios limites,
ao encontro da verdadeira essência, daquilo que os purifica e os define como
seres humanos. Com pedaladas fortes e constantes, aos poucos se viu só.
Enquanto os quilômetros iam ficando para trás, se apegou em pensamentos nas
lembranças daqueles que compartilharam de seu sonho e que, de alguma maneira,
dividiam com ele o sofrimento que a chuva cortante e impiedosa lhe imputava
naquele momento. Pensou nos amigos a milhas e milhas de distância, na zelosa
mãe que o apoiou e o conduziu pelo caminho correto, no pai enfermo que deixou
no Brasil para nadar, pedalar e correr atrás de seu maior sonho. Seus devaneios
o ajudaram a aliviar a preocupação e a dor – física e sentimental –, e, sem
perceber, 180 mil metros de asfalto haviam sido deixados para trás.
Transição. Com este pequeno vocábulo o
herói de si mesmo – e, possivelmente, de tantos outros – iniciou a parte final
de sua jornada. Ainda estava encharcado quando calçou seus tênis e vestiu a
blusa que, em vão, deveria lhe trazer algum conforto frente ao impiedoso frio
que persistia em castigá-lo. E assim correu. Passada a passada, com força e
intensidade.
Àquela altura, sentia um peso gigante em
suas pernas, dificuldade esperada mesmo antes da prova. Novamente, recorreu aos
bons pensamentos para enganar a dor. Continuou seguindo em frente, sem
esmorecer. Teve consigo a paisagem de uma terra bela e desconhecida, um novo
mundo que a ele se revelava. Prosseguiu.
A chuva, enfim, cessou. No horizonte o
sol oferecia ao dia os últimos feixes de luz e o crepúsculo esplêndido
iluminava ao herói sonhador a última barreira entre o ideal e o concreto, o
anseio e a realização, o querer e o fazer. No grito efusivo dos espectadores
sentia o calor que não teve durante as quase nove horas em que passou correndo
e pedalando. Percorria os metros finais de um grande feito, algo tangível
apenas a poucos “super humanos” na terra.
O lume resplandecia o arco da redenção:
era a linha de chegada, passagem que o ascenderia ao Olimpo dos vencedores e o
discerniria dos meros mortais. Lágrimas se misturaram às gotículas de chuva e
lavaram seu rosto desgastado. O sorriso incontido trazia o contraste e o
enlevava de maneira pueril e irresoluta. Antes de romper a faixa da conquista,
voltou a pensar nas pessoas que o ajudaram e o fizeram a chegar àquele momento.
Percebeu, já muito além do que imaginava ser o seu limite, que os sonhos são
apenas projeções daquilo que a nossa vontade nos reserva para o futuro.
Ao cruzar o portal, levantou os braços e
acenou agradecendo aos desconhecidos que ali torciam por ele. Se ajoelhou
orgulhoso – talvez tenha entoado uma oração a si próprio – e ao seu lado sentiu
a presença do inseparável pai. Sem olhar para trás, levantou-se transformado e
com a certeza de que nada mais podia detê-lo e que acabara de ser tornar
invencível.
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