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com Léo Davine. |
Problema, lombriga e dívida todo mundo
tem. É claro que as proporções podem variar, mas ninguém pode questionar a
universalidade dos três.
Hoje eu vou falar dos problemas. Uma tia
minha me dizia que só não tinha problemas enquanto estava dormindo, até que,
infelizmente, teve uma crise de hipertensão às três da manhã. Um amigo me
confessou que, embora tentasse esquecer os problemas bebendo cachaça, eles se
fortaleciam durante a ressaca, aparecendo como um exército diante dele. Eu
mesmo vivo com um problema crônico: falta de dinheiro. O que me consola é que,
se o dinheiro falta no bolso, é porque já o converti em carne e cerveja.
Mas há uns problemas tão menos sérios,
tão ridículos, que me parecem coisa de quem não tem o que fazer. Uma figura que
conheço – e que se queixa o tempo todo – ruminava, dia desses, quão difícil
estava encontrar o sabão líquido da marca predileta para lavar sua púdou branca. Mais tarde, relinchando e
recalcitrando, deu um piti porque
descobriu que a unha postiça de porcelana havia perdido nada menos que dois
milímetros por desgaste ou descuido, ambos naturais. Depois, já escarvando o
chão, com olhos injetados de touro bravo, esconjurou, xingou e amaldiçoou a
empregada (também hipocritamente chamada “secretária”) pelo telefone, porque
queria frango empanado para o jantar, mas a “secretária” o havia feito
grelhado. A cereja do bolo veio dez minutos depois: com lágrimas de crocodilo
nos olhos, passou a mão na bolsa e se mandou. Motivo: o filho, de onze anos,
estava jogando futebol descalço e perdeu a tampa do dedão do pé, num chute que
acertou o chão da quadra – não a bola. Acho que ela chorou mais que o moleque.
Para mim – e para 99% do “Planeta Vida
Real” – esses são problemas de primeiro mundo. As pessoas que os têm são
incapazes de perceber a ruína e o desastre do próximo; não percebem – ou fingem
não perceber – as dores mais urgentes e profundas da existência. Não chegam nem
a ser individualistas, mas verdadeiramente egoístas. Reclamam de fome depois do
medalhão de filé-minhõ, declaram sede
depois da taça de champãi. Um dia,
não tendo mais do que se queixar, virão bater à nossa porta. Quando atendermos,
vinte segundos depois, elas, de cara fechada, perguntarão, ainda, por que
demoramos tanto.
LEONARDO
DAVINE DANTAS é
mineiro de Lavras, tem 39 anos, e vive em Campinas. Bacharel em Letras pela
Unicamp, atua como servidor público do Estado de São Paulo. Seus autores
prediletos são o poeta Virgílio e o Padre Manuel Bernardes.
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