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quinta-feira, 3 de setembro de 2015

First world problems

com Léo Davine.
Problema, lombriga e dívida todo mundo tem. É claro que as proporções podem variar, mas ninguém pode questionar a universalidade dos três.

Hoje eu vou falar dos problemas. Uma tia minha me dizia que só não tinha problemas enquanto estava dormindo, até que, infelizmente, teve uma crise de hipertensão às três da manhã. Um amigo me confessou que, embora tentasse esquecer os problemas bebendo cachaça, eles se fortaleciam durante a ressaca, aparecendo como um exército diante dele. Eu mesmo vivo com um problema crônico: falta de dinheiro. O que me consola é que, se o dinheiro falta no bolso, é porque já o converti em carne e cerveja.

Mas há uns problemas tão menos sérios, tão ridículos, que me parecem coisa de quem não tem o que fazer. Uma figura que conheço – e que se queixa o tempo todo – ruminava, dia desses, quão difícil estava encontrar o sabão líquido da marca predileta para lavar sua púdou branca. Mais tarde, relinchando e recalcitrando, deu um piti porque descobriu que a unha postiça de porcelana havia perdido nada menos que dois milímetros por desgaste ou descuido, ambos naturais. Depois, já escarvando o chão, com olhos injetados de touro bravo, esconjurou, xingou e amaldiçoou a empregada (também hipocritamente chamada “secretária”) pelo telefone, porque queria frango empanado para o jantar, mas a “secretária” o havia feito grelhado. A cereja do bolo veio dez minutos depois: com lágrimas de crocodilo nos olhos, passou a mão na bolsa e se mandou. Motivo: o filho, de onze anos, estava jogando futebol descalço e perdeu a tampa do dedão do pé, num chute que acertou o chão da quadra – não a bola. Acho que ela chorou mais que o moleque.

Para mim – e para 99% do “Planeta Vida Real” – esses são problemas de primeiro mundo. As pessoas que os têm são incapazes de perceber a ruína e o desastre do próximo; não percebem – ou fingem não perceber – as dores mais urgentes e profundas da existência. Não chegam nem a ser individualistas, mas verdadeiramente egoístas. Reclamam de fome depois do medalhão de filé-minhõ, declaram sede depois da taça de champãi. Um dia, não tendo mais do que se queixar, virão bater à nossa porta. Quando atendermos, vinte segundos depois, elas, de cara fechada, perguntarão, ainda, por que demoramos tanto.


LEONARDO DAVINE DANTAS é mineiro de Lavras, tem 39 anos, e vive em Campinas. Bacharel em Letras pela Unicamp, atua como servidor público do Estado de São Paulo. Seus autores prediletos são o poeta Virgílio e o Padre Manuel Bernardes.

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